12.12.07

Janeiro...

Era uma manhã de janeiro em qualquer dia daqueles que passa e eu via farrapos ajoelhados e pedindo perdão e sacudindo os braços em busca de afago e eu via os servos e plenos carrascos entre o som da trombeta e o grito da espada e eu dizia “cubram agora seus ossos pois o vazio sagrado está preenchido pelas traças” e eu trazia em meus braços um leito e uma vidraça para cercar seus rostos e você tinha somente olhos para me olhar com solidez em ferro e brasa em pálpebras latejantes e eu tinha somente a garganta vazia e ódio pelos pulmões ao contemplar o sacrifício dos farrapos que juravam e proclamavam a própria liberdade que juravam e proclamavam perante a espada que não tinha senão o grito e eu não tinha senão dois olhos e uma vidraça enquanto o grito calava na boca do som e eu não era quando to dizias mas podia afirmar eu não era o que agora eu sou e eu sou o sono dos mendigos na praça e o solo que aconchega os pés imundos dos meninos de rua e uma solidão nua que atormenta e escava os ossos sem nunca cessar e as panturrilhas hibernes esperando o vento e seu último suspiro na lamparina de uma noite que virá sem dentes


texto de Flávio Fraschetti

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