6.1.08

( ) - pt I

Vinte e sete do três:

Dia de querer morrer

Estacionar as fronteiras

Arrancar o diafragma.

Batalhões fuzilam o horizonte

com balas de ti

E meu grito se cala na boca do som.

Nascimentos

3 mil bebês nasceram esta semana. Arrancaram-lhe os nervos e encheram de ar os corpos. A primeira palavra prevista é Amém. Dormem todas as noites embrulhados com a bandeira da nação onde está escrito “Ordem e Prozak”.

13.12.07

definições

Toda definição que possa ser feita sobre alguma pessoa não passa de alguma projeção em uma tentativa vã de delimitar o que é impossível de ser delimitado, como o congelamento de um fragmento que está sempre perdido, flutuando...

Da mesma maneira, a personalidade ou os dizeres que começam com "eu sou" poderiam ser rapidamente substituídos por "um dia eu fui desta maneira...", "em certo momento eu pensei que...", e assim por diante.

resumindo: foda-se o sujeito. rs


bom dia pra todos vocês.

12.12.07

a parte do medo

I

A margem dos dias retoma tua face

Olhos rachados ditavam a escassez

Derramando-se pelas labaredas circulando pelo tráfego

Meu suspiro entrava na garganta

Sufocado e repelido

Ante as vidraças magistrais do abismo inatingível

Sobre os livros, as moscas

Vida sem fim, rondando sozinha pelos cantos

Seu brusco encontro ao meu sono,

Correndo em urros nas seis paredes de meu corpo

Seu vulto perene

Sua saliva inerte

Meu sonho cruzado

Ao passar à margem dos dias

Um novo passante bate a minha porta

E dá ao meu ouvido as notícias do silêncio.

( 15/05/2006)

II

Dois garotos se debruçam nas labaredas do edifício

espreitando o solo do último dia em seu sopro inerte.

O semblante carrega o nó trancafiado entre os dentes

E o foco esvaído

A admirar as cinzas esvoaçando pelo vento

Perplexos pelos fragmentos da ceia

E seu pó circuncidando os olhos

Por seus vidros trincados,

A retina sacode ao fundo

no escuro de seu único espanto,

Alucinação perene na navalha

Erguendo às vidraças o prelúdio de teu ventre:

Nada se cria, nada se faz, tudo se reduz.

Tal é a lei desta província contemporânea ao tempo



texto de Flávio Fraschetti

.:.Amour Fou::

Há um sonho sentado no abismo

ao seu lado o veneno a sonhar

entre as flores caladas nos olhos

existe o céu desabando no mar


O inferno abraçado a seu Pai


E meninos cantando entre as pedras

entre o parto e caminhos farpados

entre o corte e a espada

o rugido do fogo em seus lábios


E as cinzas do sangue em seus olhos


Há um horizonte que sempre perdura

Há um mar que nunca cessa

Há um caminho que sempre transborda

A palavra muda se vai


E um outro diz a si o que mais





texto de Flávio Fraschetti

Janeiro...

Era uma manhã de janeiro em qualquer dia daqueles que passa e eu via farrapos ajoelhados e pedindo perdão e sacudindo os braços em busca de afago e eu via os servos e plenos carrascos entre o som da trombeta e o grito da espada e eu dizia “cubram agora seus ossos pois o vazio sagrado está preenchido pelas traças” e eu trazia em meus braços um leito e uma vidraça para cercar seus rostos e você tinha somente olhos para me olhar com solidez em ferro e brasa em pálpebras latejantes e eu tinha somente a garganta vazia e ódio pelos pulmões ao contemplar o sacrifício dos farrapos que juravam e proclamavam a própria liberdade que juravam e proclamavam perante a espada que não tinha senão o grito e eu não tinha senão dois olhos e uma vidraça enquanto o grito calava na boca do som e eu não era quando to dizias mas podia afirmar eu não era o que agora eu sou e eu sou o sono dos mendigos na praça e o solo que aconchega os pés imundos dos meninos de rua e uma solidão nua que atormenta e escava os ossos sem nunca cessar e as panturrilhas hibernes esperando o vento e seu último suspiro na lamparina de uma noite que virá sem dentes


texto de Flávio Fraschetti

18.7.06

Barba crescendo em pensamento...

Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legitima defesa - e qual defesa seria mais legitima? - logrei ser absorvido por cinco votos contra dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris.
Deixei crescer a barba em pensamento, comprei um par de óculos para míope, e passava as noites esiando o céu estrelado, um cigarro entre os dedos. Chamava-me então Adilson, mas logo mudei para Heitor, depois Ruy Barbo, depois finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando me chamo.
A primeira mulher que possuí foi sob uma ponte do Sena, em pleno coração do meu Paris imaginário; e ainda me lembro de que ela me sorria com uns dentes que refletiam as estrelas e as lâmpadas do cais adormecido, e dizia-me coisas numa língua que eu não conhecia. Paguei-lhe a vista, e subi eufórico em direção a uma rua de onde vinha sons de uma mandolinata inenarrável, e que se esvanecia à medida que eu me aproximava, e que acabou por desaparecer de todo. Sentei-me no chão, aturdido, acendi um cigarro e deixei que ele fumasse por si mesmo, e depois morri tranquilamente, dentro da noite calma.


Walter Campos de Carvalho . 1916-1998 - texto extraído da Revista Azougue 10 Anos.

( . . .

nada do que é (d)escrito aqui tem como intuito o de estabelecer alguma verdade, universal ou mesmo subjetiva, mas antes expressar seus impulsos e (de)formações, para que posteriormente possa re-ver seus caminhos de (re)construção e de fuga, tal como os traços desenvolvidos e esquecidos. Para experimentar é preciso não ser.